JADIR AMBRÓSIO

Abr 01 2019 /

N - 8/12/922 -  Vespasiano

F - 30/09/2014

 

 

Foto: Elmo Alves

Único negro da turma da manhã do Conservatório de Música da UFMG, quis o destino que o maestro e compositor Jadir Ambrósio tenha se enveredado pela cultura popular, apesar da iniciação erudita. Tem um CD lançado (As canções de Jadir Ambrósio) e vários serviços prestados à música popular brasileira, incluindo os primeiros ensinamentos à estrela Clara Nunes.
 
Funcionário público aposentado, o mineiro de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, fez da música a porta de entrada para ganhar amigos e colecionar canções. Muitas delas circulam pelos quatro cantos do país, sem que os ouvintes saibam de onde veio a inspiração. Mesmo assim, não se deixava abalar e seguia firme, fazendo o que mais gosta: tocar e cantar. “Viver é uma arte. Quem vive desejando mal aos outros, chega na velhice todo escangalhado”, ensina o autor de clássicos dos anos de 1950 e 1960, ao lado do parceiro Jair Silva, como o xote Buraco do tatu, gravado por Luiz Gonzaga, e o sambamaxixe A mulher do palhaço, eternizado pela voz de Blecaute, intérprete da famosa marchinha Chegou o general da banda, ê ê.

“Sempre dava as minhas músicas para os outros cantarem. No carnaval, chegavam a ser lançadas 10 marchinhas de minha autoria”, relembra. Além de músicas, o maestro guardava histórias memoráveis desde o tempo em que iniciou os estudos de música. Funcionário aposentado da Prefeitura de Belo Horizonte, começou como “ferrinhas”, capinando ruas da cidade, até chegar ao posto de fiscal fazendário. Beneficiado por um programa do governo federal, que previa uma espécie de cotas para negros em instituições de ensino, Jadir Ambrósio virou o “xodó” do Conservatório de Música da UFMG e conviveu com grandes nomes da música clássica do estado. Mas as dificuldades financeiras para continuar os estudos e a pouca visibilidade no universo erudito de Tchaikovsky e Beethoven empurraram o maestro para a cultura popular.

“Encontrei-me ali, na Avenida Afonso Pena, em frente ao Palácio das Artes, com a dupla Caxangá e Sanica, que me pediu algumas músicas para gravar no Rio de Janeiro. Fomos ao restaurante Rei do Sanduíche, que funcionava ao lado do antigo Cine Royal, e em poucos minutos fiz a primeira: A história do Tico- Tico”, relembra. Com a boa repercussão das músicas nas rádios e nos jornais, o maestro começou a sentir o gostinho da fama e a colher reconhecimento dos colegas.

Numa época em que políticos, profissionais liberais e anônimos se misturavam no carnaval da cidade, ficou amigo de Juscelino Kubitschek, Otacílio Negrão de Lima, José Maria Alckmin, Odilon Behrens, entre vários. A Lagoinha, com a região da Pedreira Prado Lopes, era um dos pontos de encontro da boemia. “A concentração dos blocos era onde está hoje o hospital (Odilon Behrens). Tocava trombone e me divertia com o Bloco da Sujeira. Chegava em casa só de madrugada”, conta, sem nenhum ar de nostalgia. “A vida antigamente era de muita dificuldade, tudo muito difícil. Agora é que a coisa está boa”, opina.

Na década de 1950, então regente do coro da Paróquia Santo Afonso, no Bairro Renascença, Jadir Ambrósio era o responsável por selecionar os participantes dos programas de calouros, uma das atrações das famosas quermesses organizadas pela igreja. Foi lá que o maestro teve o privilégio de ouvir a voz de uma menina de 16 anos, recém-chegada a Belo Horizonte, junto com a irmã Vicentina, para trabalhar em uma fábrica de tecidos da região: Clara Francisca Gonçalves Nunes.

“Freqüentava aquelas barraquinhas e vi toda a atuação dele na percepção de novos talentos. Acho que todas as pessoas que abriram caminho para a carreira de sucesso de Clara Nunes têm sua importância. Mas o contato com seu Jadir foi fundamental”, avalia a jornalista Neide Pessoa, que há anos se dedica a pesquisar a trajetória da artista.

De acordo com ela, Ambrósio, na certeza de que estava diante de uma estrela, dava aulas de canto e música para Clara. “Evidente que o apoio não foi só para ela. Todas as pessoas que tinham a vocação recebiam esse tratamento, inclusive outros calouros que também alcançaram o sucesso como Eduardo Araújo e Aguinaldo Timóteo”, completa. 

Ele, por sua vez, mantém a modéstia e afirma que “não fez nada demais”. “A gente ensaiava todo mundo que queria cantar na barraquinha. Nessa leva veio a tal Clara Francisca Gonçalves Nunes. Quando Clara cantou ‘Você está vendo só, o jeito que eu fiquei, e tudo ficou...’ eu absorvi aquilo e falei: ‘Você leva jeito’. Já senti que estava diante de uma futura celebridade”, recorda.

Já conhecido no meio artístico, Jadir Ambrósio pediu permissão à irmã Vicentina para levar Clara aos programas da Rádio Inconfidência. “Nos programas de rádio, a reação das pessoas era a mesma que eu tinha”. Mas, para o maestro, em BH “ela não podia cantar para fora, fazia uma coisa sussurrada. Quando foi para o Rio de Janeiro aí, sim, pôde mostrar todo o seu potencial”, analisa.

Ambrósio cita detalhes dessa fase da carreira de uma das maiores cantoras do país: “Quando Clara foi para São Paulo, pela primeira vez, doutor Fábio, dono da Companhia de Tecidos Renascença, deu pano para fazer as sua roupas”. Ele lembra que outras figuras também foram importantes para impulsionar a carreira da intérprete de Canto das três raças, como Maestro Rocha, Aldair Pinto e Wilson Miranda. Esse último, aliás, compôs junto com Jadir Ambrósio Vida cruel, única música do bamba gravada por Clara Nunes, que fez parte de um disco promocional da Rádio Inconfidência, hoje uma verdadeira relíquia.

Trechos de reportagem do jornalista Zu Moreira para o Diário da Tarde - 16/04/2017

 
 
 
 


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